Muito mais que trazer as informações sobre lugar e hora em que acontece um show, esta extensão da música continua a ser peça importante do projeto todo que envolve criar sons, escrever letras, planejar uma apresentação e divulgar o evento. Especialmente entre as bandas e grupos que fazem aquela crítica política ácida e direta. Um bom cartaz pode, literalmente, fazer a propaganda. Não só da música, mas das ideias e intensões.
Nos últimos tempos ao menos em 3 episódios os cartazes de alguns shows se tornaram o próprio espetáculo, aqui em terras brasileiras. Fazendo uma referência rápida à Sociedade do Espetáculo, de Debord, a internet tem sido uma grande facilitadora da democratização radical dos meios de produção, incluindo a produção artística. Embora esta democratização virtual tenha diversos efeitos colaterais, como por exemplo sua utilização espetacular para criticar ou mesmo difundir um pensamento que se propõe crítico ao espetáculo, fato é que toda esta situação tem promovido estes lindos momentos em que a execração de cartazes de shows com conteúdo ácido ou contrário à normalidade estabelecida acaba, de forma controversa, por dar visibilidade explosiva às estas imagens. Cada vez que alguém se incomoda com um cartaz que espeta os pontos débeis do governo ou de algum aspecto da cultura alienada, o faz replicando esta publicação indefinidamente pela internet, dando alcance e viralizando o conteúdo.
Em julho de 2019 foi lançado o cartaz para o “Facada Fest”, terceira edição de um festival de bandas hardcore/punk que acontece em Belém (Pará). Após toda a agitação em torno de um atentado, alguns meses antes, ao então candidato à presidência, e de reconhecidos apelidos deste candidato, o cartaz traz um palhaço “Bozo” e o título que se refere ao festival, já tradicional, estampados. Isso fez despertar a ira de políticos e autoridades locais, que partiram ao ataque ao conteúdo do cartaz, o replicando impulsivamente pela internet. O público interessado no show fez agradecimentos à publicidade grátis e os organizadores redigiram uma carta de esclarecimentos onde admitem a crítica forte mas reforçam o direito à liberdade de expressão.
Um mês antes, na mesma linha, já havia ocorrido o caso do Cartaz de Show do Dead Kennedys. Esta banda estadunidense, no passado reconhecida como umas das mais influentes do meio punk, que por si só já andava envolvida em polêmicas com seu ex-integrante, Jello Biafra, por direitos autorais e pela postura política da banda (que aparentemente perdeu suas raízes quando dos tempos do Biafra), acabou por cancelar seus shows no Brasil devido à repercussão extraordinária do cartaz. A imagem foi desenhada por um artista brasileiro e rapidamente se alastrou por redes sociais e até mesmo pelos principais jornais eletrônicos de notícias. Em meio à discussão sobre o conteúdo do cartaz ter sido aprovado ou não pela banda, seus integrantes publicaram nota se posicionando “antifascistas e anti-violência” mas também “pouco conhecedores da situação política do país”, o que, junto à assustadora repercussão do cartaz, justificou os cancelamentos. Shows cancelados, mas cartaz multi-divulgado.
Já esta semana, foi a vez da banda Pussy Riot, da Rússia. O grupo de meninas, para show dia 30 de janeiro em São Paulo, lançaram o cartaz que faz uma crítica à figura do presidente. Ao que tudo indica, novo sucesso das redes sociais, graças à ampla divulgação da imprensa e de apoiadores do governo. Provavelmente banda e público vão novamente agradecer.
Assim como nas outras ocasiões citadas, se no passado shows de bandas de rock, punk, hardcore, rap e até funk, tinham seus efeitos restritos ao “underground” ou à círculos sociais específicos, agora correm as telas dos celulares de todo tipo de gente, na maioria das vezes, estas sem conhecimento profundo dos contextos e culturas daqueles grupos. Se bom pela divulgação e alcance, por outro lado, tem-se um choque gigantesco de identidades. E tudo intensificado por conta do momento de discussões políticas acaloradas que vivemos no país. Interessante, ainda, é verificar que estes casos citados são como a ponta de um iceberg, pois todos os dias são publicados cartazes de shows que de alguma forma provocam e fazem pensar. Muitos estão na internet. Muitos colados pelos postes e muros. Muitos estão na porta do lugar do show. A história do rock e da música está repleta de bons exemplos. Dá pra dizer que há casos do uso do espetáculo para gerar espetáculo. Dá pra dizer que se incomoda, é porque acerta o alvo. Dá pra dizer que um cartaz passa e é esquecido. Dá. Mas cartaz é parte do show. Já foi papel. Já foi fotografia, desenho ou gravura. Já foi feito à mão e em computadores. Vai pra poste, tv e pra celular. Mas tá lá, cumprindo seu ‘papel’.
Enfim, dito tudo isso, só queria mesmo reforçar que gosto de cartazes, e apesar das análises medíocres, sobretudo, aprecio esta arte. Abraço. E leia outro artigo sobre cartazes e gente que faz cartazes e fique de olho pela rua. Está repleta de arte!
Referências:
Outro artido em Jorle sobre Cartaz
“A crítica espetacular do espetáculo, funcional a ele, é um empreendimento da sociologia, que estuda a separação recorrendo às ferramentas conceituais e materiais produzidas pela separação. A apologia do espetáculo, ou publicidade, por sua vez, constitui um pensamento do não pensamento, um esquecimento explícito da prática histórica. O falso desespero da crítica espetacular e o falso otimismo da pura publicidade do sistema são idênticos enquanto pensamento submisso.” Fonte: https://outraspalavras.net/sem-categoria/para-compreender-a-sociedade-do-espetaculo/
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Ricardo GosWod: Marido de artista e pai de roqueiro progressivo. Skatista faz 28 anos. Depois de velho suou um tempo no rugby e arbitragem. Escreve sobre o que lhe interessa: amigos espertos, música, skate, rugby, zines, jogos … Trabalha nas horas de folga com projetos gráficos visuais e geoprocessamento. Escreve a Coluna “Sem tempo pra trabalhar” e é criador do projeto MyTrix.
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